quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Cidades sem Deus


Vi há uns dias (finalmente) o filme de Fernando Meirelles, “Cidade de Deus”. Depois da experiência de ver no Rio o “Tropa de Elite”, estava expectante sobre o poder do filme que chocou Cannes 2002. Para além da violência, das crianças guerreiras, da droga, da ausência de valores, da fragilidade da vida na favela carioca, há um dado que revela fielmente o porquê da corrupção não ter fim nos países de terceiro mundo: o medo. O medo sentido pelos jornalistas. Fernando Meirelles pega numa personagem frágil, inofensiva, para provar o que todos sabem, mas que custa revelar. Que a polícia brasileira alimenta o crime, extorquindo criminosos que extorquem a sociedade. Buscapé queria ser jornalista. Vivia na Cidade de Deus e sonhava ter uma câmara para ser jornalista. A sua oportunidade chegou. E da primeira máquina ao primeiro emprego no jornal foram apenas alguns minutos (do filme). O problema é que Fernando Meirelles tinha reservado para ele um final dramático. Optar entre a fama e a segurança. Em qualquer cidade europeia a decisão seria mais ou menos fácil. Mas Buscapé é carioca e o Rio não é “moleza”. Depois de conseguir as fotos da sua vida, onde a polícia surge extorquindo o líder da “boca”, Zé Pequeno, Buscapé teve que optar. E publicar as fotos era assinar a sua morte. Esta cena, embora integrada numa realidade muito própria, reflecte muitas outras realidades, algumas delas, quem sabe, em Portugal. O poder dos media termina quando a vida de quem assina (a peça ou a foto) corre perigo. Felizmente existem muitos bons exemplos que nos fazem acreditar que é possível enfrentar estes pequenos (grandes) poderes podres. Mas quantos “Buscapés” não optarão pelo silêncio...

RVF

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